Dívida da escravidão ainda requer reparação
Comissão de Direitos Humanos debate forma como os negros foram libertos e necessidade de mais políticas de inclusão.
No mês em que se comemora a consciência negra, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou na manhã dessa terça-feira (25) audiência pública que debateu o tema “Memórias da escravidão negra no Brasil”. A reunião foi solicitada pelo deputado Professor Neivaldo (PT), que participa da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil.
O deputado, que foi criador e primeiro Presidente da Comissão de Promoção e Igualdade Racial da Câmara Municipal de Uberlândia e é membro da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra, falou dos avanços e desafios do povo negro brasileiro. Ressaltou a importância das cotas nas universidades e no serviço público, das Leis 10.639/08 e 11.645/08 sancionadas pelo Presidente Lula e da luta constante de negros e negras como na marcha das mulheres negras que reuniu mais de 30 mil pessoas em Brasília na última semana.
Destacou ainda a criação da Década Internacional Afrodescendente, do Novembro Negro, do feriado de 20 de novembro e em especial, na cidade de Uberlândia, da assinatura do projeto de lei municipal que reserva 20% das vagas no serviço público para negros e negras. Mesmo com tantos avanços, Professor Neivaldo disse que muito ainda deve ser feito como o combate a discriminação e ao genocídio da juventude negra e o trabalho da Comissão da Verdade é importante por isso. “Tivemos importantes avanços nos últimos anos, como a criação das cotas de reparação e a proposta da ONU da Década Internacional de Afrodescendentes, de 2015 a 2025. Mas ainda há muito a ser feito, devemos muito a este povo”, avaliou.
O secretário-geral Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra e do Trabalho Escravo da OAB, Gilberto da Silva Pereira, destacou a natureza do trabalho executado pela comissão, que, além da apuração de crimes ligados à escravidão, indica formas de reparação. Segundo ele, a comissão convocou membros dos três Poderes e pesquisadores - como antropólogos, sociólogos e historiadores - que trabalham na seleção e apuração de documentos.
Sobre o relatório parcial que será levado a Brasília, Gilberto Pereira reforçou sua importância. “Esta documentação será uma vasta fonte que o Estado poderá usar para pautar políticas públicas para garantir a reinserção do negro na sociedade com dignidade, garantindo a reparação com justiça e união de forças”, completou.
Uma das relatoras do documentos, a diretora do Campus Leopoldina da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), Beatriz Bento de Souza, destacou o teor do relatório, que foi realizado entre 30 de julho e 24 de outubro deste ano. Ela abordou ainda o projeto “Escravidão, cidadania e Identidade”, que será desenvolvido numa parceria da OAB com outras instituições (fóruns, escolas e igrejas).
A repetitividade histórica da exclusão no ambiente escolar foi destacada também pela coordenadora de Relações Internacionais do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e do Programa Escolas Sustentáveis, Dulce Maria Pereira.“Não podemos esquecer que o processo educacional na sociedade brasileira contribui para a formação de uma imagem social excludente do povo negro. As pessoas entram na escola para operar na desigualdade. É preciso desmantelar a exclusão e trabalhar pela inclusão”, ponderou. Dulce Pereira salientou, ainda, a necessidade de um estudo sobre a história da mulher negra.
A subsecretária da Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Cleide Hilda de Lima Souza, destacou a importância deste tema ser debatido no Legislativo. Ela também elogiou a política de cotas, embora considere que tiveram início tardio. “Durante anos, o Estado não enxergou os resultados maléficos decorrentes da escravidão. A abolição não integrou ninguém, os escravos ficaram livres mas sem nenhum direito básico. O que tem trazido mudanças é a militância do movimento negro. O racismo está por todos os lados e é perverso", afirmou.
Andréia de Jesus Silva, advogada da Rede Coletivo Margarida Alves, e Luciana da Cruz Neves, moradora da Ocupação Dandara e militante do Círculo de Questões Raciais das Brigadas Populares, destacaram os agravantes de ser negro e viver em ocupações. Para a advogada, é essencial resgatar o protagonismo do negro, sabendo ouvir as suas demandas e parando de decidir à sua revelia.
Já a militante lamenta a dupla discriminação sofrida pelos habitantes de ocupações. “As conquistas não chegam até as ocupações. Mas tudo o que eu ouvi sobre direitos negados, falta de água, luz, escolas, quem vive em ocupação vive isso diariamente há anos. Mais do que criar novas leis, é preciso garantir os direitos que já estão consagrados e negados a essas pessoas”, declarou, emocionada.
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