República dos apartamentos particulares
De início, é importante tentar desfazer uma tentativa de alguns de associar a ideia de que, quem se manifestou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff estaria apoiando o governo de seu vice. É a Constituição federal que determina assim. Ponto. Daí por diante, existe muito disfarce no discurso e semelhança de condutas.
Começaram as coincidências com a demissão de ministros. A ex-presidenta demitiu seis quase numa tacada. Roubou a vassoura do Jânio Quadros. Caracterizou-se pela gestão mais faxineira como nunca antes... Daí para frente todos já conhecem o resultado. Michel Temer começou avassalador na depuração da ética. Aí, no meio do caminho existia um prédio. Hipotético, pois ainda não começou, mas já pode lhe custar o cargo.
A tudo o que aconteceu já estamos acostumados. Não é novidade para ninguém um Presidente da República do Brasil dar prioridade absoluta a um prédio, um sítio de um subordinado, ou até a um emprego para o namorado de um parente.
Defender interesses particulares de amigos com o uso de posição de destaque faz parte da grandeza dos nossos líderes. Mas o cinismo e a desfaçatez das explicações posteriores causam dor de barriga. A leniência das instituições que têm o dever de apurar os fatos corrobora para uma decepção profunda e muita tristeza.
E o cinismo no episódio presidencial fica caracterizado pelas tentativas de o presidente tentar transferir a responsabilidade à vítima. Disse Sua Excelência que gravar um Presidente da República seria mesmo indigno. Para ele, digno é um Presidente da República ser gravado tentando usar do seu cargo para forçar um subalterno à realização de um ato ilegal. É mesmo surreal.
Antes, os gravados davam definição ou negavam que tinham falado sobre o prédio com o ministro da Cultura. Isso também já virou retórica. “Ah, falei com ele naquele dia, naquele local, no mesmo horário; mas nunca sobre esse assunto”, costumam repetir como papagaios.
Quando surgiram os boatos sobre as possíveis gravações, mudaram de tom de voz e desconversaram. Sugerimos o envio à Advocacia-Geral da União. Até então não se sabia que as relações de amizade entre membros do governo compunham interesse da União.
Para demonstrar o tamanho de sua dignidade e fechar com chave de ouro, o Presidente da República reuniu-se com os presidentes do Senado e da Câmara para enganarem a população afirmando que a anistia ao “caixa dois” não passaria. Não passou mesmo, mas não disseram uma palavra sobre a mutilação total das dez propostas do Ministério Público, ocorrida na madrugada aproveitando-se da comoção gerada pela tragédia com o time da Chapecoense.
Talvez para o Presidente da República tudo isso é muito digno. Já se fosse gravado...
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em direito
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