Presidente Olegário-MG-PESSOAS INESQUECÍVEIS...EPISODIO 3

Nas quatro décadas de embates jurídicos nas diversas Comarcas que trabalhei, consegui amealhar mais do que vitórias e derrotas; guardei comigo os bons e inesquecíveis amigos.
Orgulhosamente batalhei nas Comarcas de Paracatu, depois Vazante, Coromandel, Presidente Olegário, Patos de Minas, Patrocínio, João Pinheiro, Unaí, Catalão e muitas outras neste vasto estadão de Minas Gerais e outros Estados do País. E, digo sem medo de errar, que em todas as Comarcas que estive, cultivei amizades, deixei e levei saudades, desde os Magistrados, colegas Advogados e todos os Serventuários da Justiça. Amizades essas que até hoje tenho orgulho de preservar.
EU me recordo carinhosamente de todos, mas de modo especial quero me referir hoje ao Oficial de Justiça da vizinha Comarca de Presidente Olegário, o inesquecível João Saturnino da Silva, o JOÃO DO TURNO.

A comarca  de Presidente Olegário foi instalada no ano de 1.955, desde então o fórum local carrega o nome de Deiró Eunápio Borges, homenageando esse que foi Juiz de Direito na Comarca de Patos de Minas, de onde foi desmembrada.

Nas minhas primeiras idas na sede da Comarca de Presidente Olegário, como sempre fazia, procurei me identificar com todos os integrantes daquela entidade jurídica, desde o Juiz até ao mais subalterno dos servidores. Tenho a impressão de que esse ´procedimento regular que mantive, muito me ajudou a conquistar um lugar de destaque nessa difícil tarefa de advogar.

Dentre outros, ali conheci o velho Oficial de Justiça, sobejamente conhecido apenas como JOÃO DO TURNO.

João do Turno, para quem o conheceu haverá de concordar comigo. Ele era daquelas pessoas que conquistava o seu interlocutor à primeira vista. O seu jeitão jocoso, aqueles modos de conversar diferenciado, o sorriso franco e os olhos sempre mirando frente a frente com quem estivesse dialogando. A voz, meio rouquenha, inconfundível. Os modos espalhafatosos de vestir e andar, eram inimitáveis. O seu terno de brim cáqui amarelado e o chapéu de feltro, que cobria a sua vasta cabeleira preta, certamente só eram retirados em casa, pois sempre era visto metido neles.

De imediato me fiz amigo dele. Não só em razão do seu perfil amigável, como também por ter tomado conhecimento de que ele era genro de uma pessoa que tinha a minha especial admiração e respeito, o seu José Batista Marra, velho funcionário da Prefeitura Municipal de Presidente Olegário.

Eu e Seu José Batista nos tornamos amigos quando eu trabalhava como enfermeiro na Casa de Saúde Imaculada Conceição de Patos de Minas. Lá ele esteve com o seu filho Lauro, fazendo um tratamento de saúde. Depois, foi uma das filhas. Seguidamente a esposa. Das suas filhas me lembro mais da Licinha e da Lilica, que moravam junto aos pais.

 Enfim, fizemos uma amizade que durou até a sua partida. Alguns anos depois, foi que conheci o seu genro e o seu neto, Dr José Maria da Silva Marra, meu colega advogado.  Anteriormente, já conhecia e tinha intimidade com o meu colega de curso em Uberlândia, o Dr José Amorim da Silveira, que, sendo casado com uma neta, também fazia parte dessa família.  Pessoas de primeiríssimas qualidades. 

Tenho em mim que o João do Turno percebeu de imediato que eu gostava de todos os seus casos, que não eram poucos. Sentávamo-nos nos bancos da entrada do velho Fórum e muitas vezes precisava ser alertado por algum dos funcionários de que a minha audiência iria começar. Me embevecia na prosa do Oficial de Justiça, e o tempo passava sem que eu notasse. Foram inúmeros os casos gostosos e hilários que ele me contou. 

Vou fazer uma confissão: o meu primeiro livro de Contos, A Testemunha da Acusação, tem muito do querido e saudoso Serventuário da Justiça, inclusive o título. E, ele sabia disso...

Dentre os diversos causos que ele me relatou, com aquele jeitão todo especial, que só ele tinha, esse que vou tentar reproduzir, eu tenho como um dos mais engraçados. Eu o guardei na memória e agora vou colocá-lo no papel.

Segundo o João do Turno, a cidade de Presidente Olegário era bem pequena, quando foi elevada a Comarca. Naqueles tempos era uma dificuldade imensa manter Juízes e Promotores nas pequenas cidades. E, por consequência, em Presidente, às vezes, ficava meses e meses sem a presença dessas autoridades. E, com isso, os funcionários acabavam ficando relapsos, faltando ao serviço, o que, aliás nem tinha. Era comum ficar até uma semana sem marcar presença no fórum, pois não havia a quem ´prestar contas disso. Era uma cumplicidade generalizada entre todos os serventuários.

Ai ele confessa. Naqueles tempos eu gostava “dum golinho”. E não tendo nenhuma obrigação no serviço a gente aproveitava e molhava o bico. - Só quem teve o privilégio de prosar com o João do Turno, pra relembrar os seus trejeitos ao relatar as suas peripécias... Aquela boca umedecida pelo discurso constante, os seus movimentos irrequietos, buscando dar vida às personagens por ele narradas...

Sem fazer o menor esforço para se tornar engraçado – ele, de natureza, era muito cômico -, foi deixando escorrer a narrativa. 

“Eu tava em casa, tomando o meu pilequezinho, comendo o tira gosto gostoso, que a Zezé fazia no capricho, quando chegou espavorido um recadeiro do Fórum. Quase bebendo o forgo, o dito recadeiro dizia que mandaram me avisar que tinha chegado um Juiz pra assumir a Comarca e queria uma reunião com todos os serventuários, às duas da tarde. E, foi saindo, pois tinha que percorrer todos os outros, que como eu, há dias não ia ao Fórum nem a passeio.

 Ele reatou:

“Passei a mão na barba e conferi que tinha semanas que não as fazia. Mirei no espelho, aquela cara de ressaca. Apesar das duas que já tinha rebatido naquele dia, era difícil esconder. Olhei no relógio, passava das onze horas.

Entrei no banheiro, fiz as barbas com a velha navalha, me arrancando os pelos da cara. O apetite tinha sumido, pois já tinha me acostumado com aquela vidinha de beber umas e só almoçar lá pelas duas da tarde e depois cair na cama e dormir aquela soneca gostosa... Mesmo assim comi um pouco e me ajeitei pra ir conhecer o tal Juiz.”

Continuando:

“Metido no meu uniforme:  a gravata rota e o velho paletó de brim. O revólver na cintura, com a guaiaca cheia de bala, peguei minha pasta e tomei o rumo do Fórum. O sol ardente, queimava as vistas. A boca de bagaço, me dava aquela sensação de secura nos lábios. E, lá me vou...

Carregando a minha velha pasta, sem nenhum mandado a ser juntado aos Autos, seguia imaginando como seria esse novo Juiz. Cada substituição uma pessoa diferente. Jeito de trabalhar, de tratar os serventuários. Uns mais severos, outros mais ajeitados... Difícil até se adaptar... Mas só de chegar sem qualquer aviso, já deixa dúvidas.”

Ia fazendo o relato:

“Aproveitando a sombra de umas enormes mangueiras plantadas dentro de um quintal, eu ia beirando o muro e sem muita pressa para chegar ao Fórum. Enquanto isso ia diminuindo algum bafo de álcool que porventura ainda tivesse. Certamente todos os colegas lá estariam com as mesmas preocupações minhas. Perigo de alguém dedurar pelas faltas ao serviço, não tinha risco, pois todos estariam no mesmo barco. Embora sempre tenha alguém que goste de se dar bem com o “Chefe” ...

Eu, curioso pelo final, como era natural, aguardava o seu relato me mostrando muito interessado.

Ele finalizou:


“De repente avistei em cima do muro, no assombreado das mangueiras enormes do quintal já falado, um galão carijó, como coisa que esperando a minha passagem. Assim que me aproximei dele, o bonitão bateu as assas, espichou o pescoço e com toda a força do mundo esgoelou, parecendo querer alcançar até ao Fórum, que já estava bem próximo, fazendo o papel de alcoviteiro, deixando claro na sua cantiga: 
- O João do Turno tá bebo, bebo, bebo... E ainda repetiu a mesma coisa, achando bonito o que fazia. 

Levei a mão na cintura, puxei o 38, mirei bem no peito dele e soltei no seu bucho um tirambaço, jogando o cangueteiro bem longe. Nunca mais vai delatar ninguém, seu filho da puta...

Parece que esse acontecimento me fez mais leve. Cheguei no Fórum mais tranquilo...” Finalizou.

Marciano Borges de Melo

Comentários

potagens mais vistas

O poder do perdão: entenda como superar sentimentos de mágoa e vingança podem contribuir para a saúde e vida plena

Peac do Dmae atendeu mais de 20 mil pessoas no primeiro semestre de 2022

Sistema FAEMG presente na Expomonte em Monte Carmelo

Sistema FAEMG participa da Caravana Embrapa FertBrasil

Atração infantil inédita 'Banheira dos Patinhos' chega ao Center Shopping Uberlândia

Lançamento livro do Zelão O Embaixador do Cerrado

Gaspar de Souza ,disponibiliza seus trabalhos de reportagens com qualidade para Radio Agora Minas

Pequenos insetos podem prejudicar safra de trigo no Brasil e afetar ainda mais o preço de alimentos

Plantão Digital: Fiemg Alto Paranaíba repassa equipamentos